Caso de PM que chutou rosto de vendedor de doces em Birigui gera 2 processos e tem audiência suspensa

Vendedor de doces foi rendido com arma de fogo e levou um chute no rosto (Foto: Reprodução)

A Justiça de Birigui (SP) suspendeu a audiência prevista para a última quinta-feira (4), que poderia julgar o caso de um policial militar de folga que foi flagrado por câmeras de monitoramento chutando o rosto de um homem, já rendido, em abril do ano passado. Ele acusou a vítima, que vendia doces em um cruzamento na área central da cidade, de ameaçá-lo com uma faca.

O conflito se deu porque a investigação gerou dois processos, segundo o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo). Um deles foi encaminhado ao TJM (Tribunal de Justiça Militar), a pedido do Ministério Público.

O outro, gerado de um Termo Circunstanciado (que substitui o inquérito policial em delitos de menor potencial ofensivo), resultou no pedido de transação penal por parte do MP, com a audiência prevista para a quinta-feira passada.

Nele, a Promotoria de Justiça propõe que o policial concorde com a prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 2 meses, durante 7 horas semanais, ou pague o valor correspondente a meio salário a uma entidade de caridade.

No despacho determinando o adiamento, o juiz responsável cita que o TC foi distribuído em 13 de abril de 2022, para apuração dos crimes de ameaça e de lesão corporal leve, em tese praticados pelo policial militar que estava de folga.

Porém, em 25 de abril foi distribuído o inquérito policial para a 1ª Vara Criminal de Birigui, para apuração de eventuais crimes de lesões corporais, ameaça e abuso de autoridade, referentes ao mesmo fato.

Nesse caso houve decisão remetendo os autos à Justiça Militar, por isso, optou-se pela retirada do feito da pauta de audiências, dispensando o comparecimento das partes e abrindo vista ao Ministério Público.

A Promotoria de Justiça já se manifestou considerando que não existe motivo para a suspensão do procedimento e representou pela realização da audiência preliminar para o oferecimento da transação penal.

O órgão considera que os autos foram distribuídos em primeiro lugar e pediu que a Justiça Militar seja oficiada para informar a situação e remeta os autos do procedimento que lhe foi encaminhado. Na sexta-feira (5) o processo estava concluso para despacho do juiz.

Divulgação das imagens motivou geração de segundo processo

o processo relativo à agressão sofrida pelo vendedor de doces teve origem no Termo Circunstanciado elaborado com base na primeira versão dos fatos, registrada na delegacia de polícia, com base no relato do policial militar.

Porém, a partir da divulgação das imagens de câmeras de segurança e das oitivas de testemunhas, foi registrado um segundo boletim de ocorrência, devido à complexidade dos fatos, e instaurado um inquérito, resultando no segundo processo.

O Hojemais Araçatuba publicou em 10 de abril de 2022, matéria com base no primeiro boletim de ocorrência, no qual a vítima foi levada para o plantão policial sob acusação de ter usado uma faca para ameaçar o policial militar, no cruzamento da rua Anhanguera com a Saudades.

O policial alegou que estava de moto, com a esposa na garupa, aguardando o semáforo abrir, quando o autor entrou na frente dele oferecendo doces. O vendedor teria se irritado com a recusa e sacado a faca para intimidá-lo, por isso sacou a arma, identificou-se como policial e mandou o acusado soltar a faca, mas não foi atendido.

Ainda de acordo com o policial, o investigado correu para o estacionamento de um supermercado, não foi mais visto, mas teria retornado quando ele estava se preparando para ligar para o 190.

O policial alegou que o vendedor continuava agressivo e alterado, mas desarmado, houve nova tentativa de abordagem, sendo necessário o uso de força para contê-lo.

A esposa do policial, que o acompanhava, confirmou a versão, enquanto o investigado teria alegado que havia ingerido o conteúdo de cinco corotes de cachaça, havia usado crack e se lembrava apenas que estava andando, quando tropeçou e caiu.

Acompanhado do advogado Milton Valcinir de Lima, que assumiu gratuitamente a defesa, o vendedor de doces esteve na delegacia quatro dias após os fatos e em depoimento, negou que estivesse armado com uma faca, conforme alega o policial.

Ele contou que por estar desempregado saía todos os dias de casa com uma cachorra de estimação para vender doces na frente do cemitério da Saudade. Na versão dele, o policial conduzia uma Honda Biz e quase o atropelou.

Por ter sido distratado, ele teria respondido no mesmo tom, e o condutor da motoneta, que estava acompanhado de uma mulher, teria estacionado um à frente e o chamado. Com uma arma empunho, ele teria dito repetidas vezes para que o vendedor ajoelhasse, sem se identificar como policial militar.

Ao ajoelhar, a vítima foi atingida por um chute no queixo e desmaiou. O vendedor disse em depoimento que ao recobrar a consciência já estava na calçada do outro lado da rua, encostado num muro, na presença de diversas viaturas da Polícia Militar.

A vítima alegou ainda que ouviu o condutor da Biz falar com outros policiais que iria passar a versão de que supostamente teria sofrido uma tentativa de assalto no semáforo, mediante uso de faca.

Por fim, disse que enquanto aguardava na parte de trás da viatura, um dos policiais militares teria se aproximado e mandado ele alegar em depoimento que havia caído no chão, caso contrário, seria forjado um flagrante de tráfico contra ele.

O vendendor negou estar de posse de faca, disse que ficou ferido e não teve tempo de ler o que havia assinado no primeiro boletim de ocorrência. A partir de então, o caso passou a ser investigado também por lesão corporal contra o vendedor de doces.

Na ocasião a Polícia Militar foi procurada e inforrmou que seria instaurada investigação preliminar para apurar a conduta do policial militar.

“A Polícia Militar do Estado de São Paulo reafirma seu compromisso com a legalidade no desenvolvimento de suas atribuições constitucionais, não coadunando com eventuais desvios de conduta praticados por seus integrantes, sendo todos os fatos apurados”, informou a nota.

No dia 21 de abril, o Hojemais Araçatuba publicou matéria informando que a Polícia Civil de Birigui estava analisando novas imagens da agressão, do momento em que o policial está na calçada, já com a arma em punho, e apontando-a na direção da vítima.

O homem aparentemente está se justificando ao policial, que insiste em mandá-lo se ajoelhar. Quando ele se ajoelha, sob a mira da pistola, é atingido pelo chute, desferido com a perna direita. O pé do policial atinge a lateral esquerda do rosto da vítima, que derruba a caixa de doces e cai, desacordada.

O policial estava de chinelo, que solta a correia ao atingir o rosto da vítima. Toda a ação é acompanhada pela esposa do policial e pela cadela que acompanhava o vendedor de doces, conforme declarado por ele em depoimento.

MP tem posicionamentos distintos sobre o caso

Ao analisar o processo gerado do inquérito policial instaurado para apurar eventuais crimes de lesões corporais, ameaça e abuso de autoridade, a Promotoria de Justiça considerou ser caso para julgamento pelo Tribunal de Justiça Militar.

Isso porque na versão do autor ele teria se identificado para a vítima como policial militar e sacado a arma da corporação. Mesmo depois de a vítima estar rendida e imobilizada, ele veio a agredi-la com o chute.

“Segundo se observa, apesar de estar fora do horário de serviço, valeu-se do cargo para a prática do crime, eis que anunciou que era policial militar e utilizou a arma da corporação para subjugar a vítima. Desta forma, nos termos do art. 9º, II, a, do Código Penal Militar, a competência para apreciação do feito é da Justiça Militar”.

O pedido foi feito no dia 1 de fevereiro e acatado no dia seguinte pela Justiça de Birigui, que determinou a redistribuição dos autos à Justiça Militar. “Suscito desde já o conflito negativo de competência, caso este não seja o entendimento do Juízo ao qual será remetido o presente feito”, consta no despacho.

à assessoria de imprensa da Polícia Militar, que informou que o Tribunal de Justiça Militar ainda não recebeu nenhum processo referente ao fato.

Ainda de acordo com o que foi informado, em princípio entende-se que não se trata de competência da Justiça Militar julgar tal caso, tendo em vista que o policial estava de folga, não agindo em razão da função.

Já ao analisar o processo gerado pelo Termo Circunstanciado da Polícia Civil, o Ministério Público não requereu a remessa dos autos à Justiça Militar, porque uma testemunha protegida informou não ter ouvido o autor se identificar como policial, o que foi confirmado pela vítima.

“Diante disso, tendo em vista que ele não estava em serviço ou atuando em razão da função, a situação não se enquadra no que dispõe o artigo 9º do Código Penal Militar. Por igual motivo, não há que se falar em crime de abuso de autoridade, tanto que este procedimento foi instaurado como termo circunstanciado para apuração de ameaça e lesão corporal”, consta no despacho.

A Promotoria de Justiça argumentou ainda que a faca alegada pelo policial e pela companheira dele não foi localizada com a vítima, o que traz dúvida sobre a existência dela.

E entendeu que apesar de ser excessiva e constrangedora a atitude de poucas pessoas que vendem produtos em semáforos, é possível que a vítima tenha impedido a passagem da motoneta, mas isso não se configura ameaça. Por isso, representando pelo arquivamento da acusação.

Considerando que ficou claro que o autor se utilizou da arma de fogo para render a vítima e agredi-la com um chute, causando lesão corporal de natureza leve, o Ministério Público requereu a designação de audiência preliminar, que havia sido marcada para quinta-feira, para tentativa de composição civil.

Se não houver composição, a proposta é que o autor concorde com a pena restritiva de prestação de serviços à comunidade pelo prazo de 2 meses, durante 7 horas semanais ou pagamento do valor referente a meio salário mínimo.

Se aceita, a proposta não acarretará reincidência; não gerará efeitos civis; e não constará de certidão de antecedentes criminais, salvo requisição judicial. Porém, não poderá ser concedido esse benefício nos próximos 5 anos.

Defesa discorda de proposta do Ministério Público

O advogado Milton Valcinir de Lima, que assumiu gratuitamente a defesa do vendedor de doces, discorda da proposta apresentada pela Promotoria de Justiça com relação à agressão sofrida pelo cliente dele.

Além de entender que o valor de meio salário mínimo seria insignificante diante do constrangimento sofrido pela vítima, ele entende que no caso da prestação de serviços, o período está inferior ao da condenação pela pena mínima pelo crime de lesão corporal.

Essa pena varia de 3 meses a 1 ano de reclusão e o Ministério Público propõe 2 meses de prestação de serviços, durante 7 horas semanais. hoje mais

 

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